Comunidades Eclesiais Missionárias em destaque

ENTREVISTA
O Frei João Fernandes Reinert será o assessor da 25ª Assembleia de Pastoral da Diocese de São José do Rio Preto. Mestre e doutor em Teologia pela PUC-Rio, o religioso é o autor do livro “Paróquia – Casa da iniciação e comunidade de sujeitos eclesiais”. Em entrevista exclusiva, o Frei João destaca aspectos da publicação que orientou os trabalhos de preparação para o encontro diocesano que acontecerá no dia 24 de junho, a partir 7h30, na Paróquia São Francisco, em São José do Rio Preto. “Se a Igreja não estiver ao lado dos pobres, quem estará?”

 

  1. No processo de conversão pastoral, os batizados são sujeitos eclesiais importantes. Quais as pistas para sensibilizar aqueles que estão afastados da caminhada e para fazer com que se sintam necessários na “Comunidade de Comunidades”?

O resgate de compreensão de que cada batizado é, e deve ser, sujeito eclesial, protagonista, adulto na fé, é o grande legado do Concílio Vaticano II que foi o Concílio da maturidade eclesial, com a volta às fontes do cristianismo. Ao mesmo tempo, sabemos que o Concílio é ponto de partida e não ponto de chegada. De lá para cá, houve avanços, mas também muitas tentativas de retrocessos. As conquistas eclesiológicas têm que ser sempre de novo reconquistadas.

Nesta perspectiva, a consolidação do ser sujeito eclesial não é decreto, mas conversão eclesiológica permanente. Teologicamente não há nenhuma dificuldade em afirmar que todo batizado é sujeito eclesial. O grande desafio é pastoral, ou seja, urge criar condições para que, de fato, cada batizado chegue a ser e a sentir-se efetivamente adulto na fé. Isso é um processo que envolve vários aspectos: acolhida, formação, criação de pequenas comunidades, ministerialidade, sinodalidade etc.

Certamente há vários motivos para o afastamento de muitos da vida da Igreja, mas um dos que não se pode ignorar é exatamente o fato de não se sentir sujeito eclesial, não sentir que ‘aqui eu sou gente’.

Investir na acolhida não pode ser pauta para o dia seguinte.  Mas que acolhida? É urgente alargarmos a compreensão de acolhida eclesial. Não se trata de tão somente acolher na porta da igreja com um bom dia, boa noite: acolhida é acompanhamento, é respeito ao tempo e à consciência do outro, é escuta, é formação, novos ministérios etc.

  1. Em uma realidade plural, somos afetados, por exemplo, pela polarização em diversas esferas. Quais os desafios a superar em prol da constituição de um “novo jeito de ser Igreja”?

As polarizações têm aumentado muito no últimos anos, entrando, inclusive, para dentro das igrejas, com várias faces e expressões. Fundamentalismos, visões teológicas e eclesiológicas dualistas são algumas dessas expressões. O problema não são as eclesiologias diferentes, mas as eclesiologias sem eclesialidade, sem comunhão, sem diocesaneidade, sem consciência histórica, portanto sem formar ‘comunidade de comunidades’. Penso que esse é um dos grandes desafios a serem superados: isolamento, ilhas pastorais, grupos que negam o Vaticano II.

O novo jeito de ser Igreja passa pela espiritualidade de comunhão, pela assimilação das marcas do Espírito nas artérias das estruturas eclesiais e das atividades pastorais. Muitas vezes, realizamos muitas ações na evangelização, mas de forma desarticulada e, com isso, muitas energias são desperdiçadas pela falta de comunhão.

Creio também que insistir na formação de nossos agentes de evangelização é hoje muito urgente, assim como na formação permanente do clero. Junto à formação teológico pastoral, a formação social para saber lermos a realidade. Um programa claro de que formação é, sem dúvida, uma ‘instância sujeito eclesial’, pois sujeitos eclesiais não são somente pessoas, mas também aquelas instâncias que ajudam a formar sujeitos eclesiais adultos na fé.

  1. À luz dos documentos, muito se fala em “Comunidades Eclesiais Missionárias”. Em que elas se diferem da “Comunidade de Comunidades?

Penso que independentemente da terminologia, ambas as expressões apontam para dimensões estruturais e pastorais das quais não se pode abrir mão. Dito com outras palavras, ser ‘comunidade de comunidades’ e ser ‘comunidades eclesiais missionárias’ é um processo mais amplo que envolve muitas conversões teológicas, eclesiológicas e pastorais. Há certas características que são irrenunciáveis na Igreja de Jesus Cristo: missionariedade, densa vida comunitária, resgate das relações horizontais e fraternas, centralidade do Evangelho, prioridade da iniciação à vida cristã, profetismo evangélico, dentre outros aspectos.

As duas expressões, ‘comunidades eclesiais missionárias’ e ‘comunidade de comunidades’ querem chamar a atenção de que Igreja é comunidade de fiéis e sua identidade mais profunda é o discipulado e a evangelização. Elas não são qualquer comunidade; são comunidades eclesiais, comunidade de batizados que professam a única fé em Jesus Cristo, e nessa mesma fé são convocadas à missão. Vale a pena insistir neste aspecto: “a comunhão da Igreja supera a unidade sociológica ou a harmonia psicológica” (doc. 100, n. 159). Comunidade de comunidades ou comunidades eclesiais missionárias é uma categoria teológica porque encontra seu fundamento na comunidade trinitária.

Ambas as expressões recordam que Igreja é realidade comunional. A eclesiologia que sustenta cada uma dessas realidades é a da comunhão e da missão. Elas serão tanto mais fiéis à sua identidade quanto mais avançarem na cultura do encontro com os que já estão dentro como com aqueles que ainda serão alcançados pelo Evangelho.

  1. Mulheres e pobres são rostos destacados entre os sujeitos sublinhados nos documentos 100, 105 e 107. Qual o papel deles neste processo de conversão pastoral? 

Obrigado por essa pergunta. Gostaria de começar pelos pobres. Um dos sinais mais visíveis da missionariedade das comunidades eclesiais missionárias é a saída para as ‘periferias geográficas e existenciais’. Com outras palavras, formar comunidade com os empobrecidos é uma das formas mais autênticas de ser comunidade missionária.

O documento de Aparecida explicita sem rodeios que a opção pelos pobres é parte constitutiva da fé em Jesus Cristo, que se fez pobre por nós. Portanto é questão de fé. Diz o papa Francisco que “sem a opção preferencial pelos pobres, o anúncio do Evangelho – e este anúncio é a primeira caridade – corre o risco de não ser compreendido ou de afogar-se naquele mar de palavras que a atual sociedade da comunicação diariamente nos apresenta” (EG, 199).

Cresce, atualmente, a tendência ao descarte dos pobres, e mais do que isso, cresce a tendência de ódio ao pobre (aporobofia). Ora, se a Igreja não estiver ao lado deles, quem estará? Os pobres têm nome, identidade, rosto. É necessário reconhecer os novos (e antigos) rostos de pobreza, sobretudo o dos refugiados, migrantes, pessoas em situação de rua etc. Urge uma conversão aos pobres. Ligando à iniciação à vida cristã, o pobre não pode ser apenas um tema de estudo da catequese. O contato efetivo com eles começa já no percurso da iniciação à vida cristã, através de visitas e presença nas mais diversas realidades de fratura social.

Quanto às mulheres, em duas direções caminha a conversão pastoral no tocante a elas: no fazer e no ser da mulher. Elas são sujeitos eclesiais, com a mesma dignidade do sujeito eclesial homem. Ao mesmo tempo, tão importante quanto o fazer, ou seja, tão importante quanto as atividades que a mulher assume na Igreja deve ser valorizado o ser da mulher. Junto ao fazer, a valorização do ser da mulher ajudará a avançar mais rapidamente nas dimensões da maternidade eclesial, da acolhida, do cuidado, do afeto, da misericórdia. No pensar as questões eclesiais, no buscar soluções para os desafios, o olhar e a sensibilidade da mulher são fundamentais.

  1. O que faz da Paróquia como “casa da iniciação” e “comunidade de sujeitos eclesiais” o modelo ideal para a superação dos desafios dos tempos presentes?

Sobre a paróquia como ‘casa da iniciação’ e ‘comunidade de comunidades’, eu gostaria de enfatizar aquilo a que essas realidades pretendem: tanto a nova paróquia, como o ser sujeito eclesial e a inspiração catecumenal pretendem novas relações eclesiais. Relação é o DNA dessas três realidades. Relações é o fio condutor dos três temas. Renovar a paróquia significa repensar com audácia as relações entre os vários sujeitos/protagonistas que a compõe. Comunidade de comunidades significa repensar profundamente as relações eclesiais, internas e externas.

Não há outro “lugar” mais propício para se tornar sujeito do que nas relações eclesiais autênticas, horizontais, sem domínio. Não se é iniciado num pacote de verdades ou doutrinas, mas numa Pessoa, chamada Jesus Cristo, a partir de um profundo grau de relacionamento pessoal. As relações eclesiais são iniciáticas e formam sujeitos eclesiais. Não se trata, portanto, de priorizar um ou outro tema: renovação paroquial, iniciação à vida cristã e sujeito eclesial são realidades interligadas; uma não existe sem as outras, um tema depende dos outros.

Perceber que ‘relações’ é o viés que une e perpassa essas três realidades é uma oportuna e necessária chave de leitura que ajuda a superar muitos desafios pastorais que não são simples; eles exigem uma abordagem mais ampla e não fragmentada. Do mesmo modo, não se pode pensar em comunidades eclesiais missionárias sem levar em conta os muitos aspectos subjacentes a elas.

A renovação de nossas comunidades não se dará, naturalmente, por decreto. Ela vai exigir o envolvimento comprometedor de todos os atores eclesiais, onde cada um, a partir de sua vocação específica colocará seus dons a serviço da comunidade, pautada em relações adultas. Na mesma medida em que todos são convocados pela graça batismal a se desenvolverem como sujeitos na Igreja e na sociedade, são igualmente convocados, como que decorrente disso, a se envolveram na conversão das estruturas eclesiais. Nesta perspectiva, ser sujeito eclesial é dom e compromisso.

 

Produção 
André Botelho
Jornalista / Assessor de Imprensa
Diocese de São José do Rio Preto